terça-feira, maio 29, 2007

Big Donor Horror Show

Enganou-se quem pensou que a onda de “reality shows” que inundou a TV nos anos 00 teria dias contados. A cada dia surge uma mirabolante idéia sob o pseudônimo de “reality sei-lá-o-que”. Assim, quando pensávamos que já tínhamos chegado ao fundo do poço com as várias edições de Big Brother, Celebrity Big Brother , Next American Top Model, American Idol, The Real Housewives of Orange County, Simple Life e do Chinese Kung Fu Star Search, eis que surge o Big Donor Show!

O novo programa funcionará desta forma: um doente terminal escolherá uma dentre três pessoas para receber um órgão seu. Para tomar a decisão, o doador moribundo poderá conversar com parentes e amigos dos “concorrentes” e, desta forma, traçar um perfil de cada candidato em função de suas estórias de vida. Não acredita? Então leia aqui.

A iniciativa da emissora suscitou um debate ético e a justificativa para a realização do programa é o fato de o mesmo ser um veículo utilíssimo para chamar a atenção da sociedade para as dificuldades enfrentadas por todos aqueles que necessitam de um transplante. Para isso alegam que a chance para cada um dos paci... oops, concorrentes receber o órgão é de 33%, maior que a chance dos que estão na fila de espera.

Agora, pois, analisemos os fatos. O país em questão é a Holanda. Se lá, num país que imaginamos ter um sistema de saúde pública que funcione (ou pelo menos funcione melhor que o nosso, o que não é difícil), a chance de um paciente receber um transplante é menor que os tais 33%, imaginem o alvoroço que não aconteceria em Terra Brasilis se as nossas digníssimas e socialmente preocupadas TVs resolvessem investir no filão?! O programa teria vida longa e certa! Sucesso absoluto. Explico o motivo.

Considerando-se:
a) o tamanho da lista de espera brasileira para realização de transplantes, que todos sabem ser de anos a fio;
b) a burocracia governamental que faz com que doadores, receptores, hospitais e coletores de órgãos não se entendam e quase nunca se encontrem;
c) o pseudo-interesse social das emissoras de TV, que vivem de realizar assistencialismo barato;

d) a tendência do brasileiro em solidarizar-se com o drama alheio e
e) a incrível vocação da sociedade em assumir o papel do Estado

– pronto, temos a conjunção de fatores perfeita para a proliferação de programas dessa natureza. Se estivermos vivos até lá, seremos testemunhas do Big Donor Brasil 2073!

Fico imaginando, cá com meus botões, como as emissoras de TV e demais interessados poderiam se beneficiar com o novo “entretenimento”. Daí me vêm à mente:
- uma enorme quantidade de inscritos como receptores, felizes por terem como concorrentes apenas meia dúzia de (in)felizes como eles, em vez das dezenas ou centenas da lista em que figuram há anos;
- o considerável número de doadores, ávidos por “poder ajudar o próximo”, sem visar, é claro, aos 15 minutos de fama e à imagem pública transmitida aos milhões de espectadores;
- a quantidade de anunciantes se estapeando por segundos no horário nobre, que iriam desde hospitais, empresas de equipamentos médico-hospitalares, de gêneros alimentícios especiais, passando por seguradoras de saúde, de vida e até de morte, como as de auxílio-funeral – cujo público-alvo seria, obviamente, os preteridos pelo doador-moribundo e o próprio;
- e, o beneficiário-mor – o Estado, que encontraria a desculpa que faltava para definitivamente negligenciar seu papel como provedor e mantenedor de saúde pública, do mesmo modo como faz com o projeto “Amigos da Escola”;

Em vez das edições anuais do “social reality show”, poderíamos ter umas quatro, afinal tempo é um fator decisivo para os concorrentes. Além disso, a variedade de transplantes nos permite fazer edições temáticas – rins, fígado, pâncreas, coração (edição especial de Natal), etc. Córnea não, porque é muito simples e não causa comoção suficiente.

O vencedor do Big Donor Brasil seria aquele que conseguisse contar a estória mais dramática, construir a imagem mais perfeita de brasileiro sofredor, porém cheio de garra para vencer e outras ladainhas do gênero. Antevejo a indecisão do público, coitado, tendo que optar entre o concorrente idoso, quase defunto, necessitado mais que tudo do novo coração, e a jovenzinha linda, quase cheia de vida, com um futuro quase lindo, não fosse a insuficiência cardíaca que a debilita e a impõe sempre um “quase”.

Face ao que temos visto acontecer nesse país nos últimos anos, onde o improvável e o absurdo tornam-se realidade num piscar de olhos, não duvido de mais nada. Espero apenas que me dêem uma comissãozinha caso as idéias acima sejam aproveitadas por alguma emissora. :-)

quarta-feira, maio 09, 2007

O Papa e a Dança da Chuva

Nosso adorado, idolatrado, salve, salve, país é realmente adepto do sincretismo, de todas as formas. No país da perfeita integração racial, da tolerância religiosa e da liberdade de expressão, mais um mito entra para a lista: o do Estado Laico.

Depois de todo o espaço na imprensa ocupado com matérias, chamadas extraordinárias na TV e outros frufrus midiáticos em função da chegada do Papa, como se o país INTEIRO fosse católico, eis que surge uma notícia, no mínimo, inusitada. Políticos de São Paulo depuseram São Pedro do posto oficial para assuntos meteorológicos (!) e convocaram uma entidade de outra natureza, o médium Adelaide Scritori, presidente da FCCC (Fundação Cacique Cobra Coral) para cuidar da meteorologia da cidade durante a visita de Sua ou Vossa (só sei que não é Minha) Santidade. Pois bem, a Prefeitura de São Paulo (!) utilizou os prestimosos serviços do médium a fim de afastar a frente fria que estava (e ainda está) prevista para o Sudeste durante os dias de visita do pontífice à cidade. E o pior – esse serviço dá inicio à parceria entre a Prefeitura e a FCCC, que recebe 20% do faturamento de uma determinada (porém não revelada) instituição de seguros. Vide e-mail abaixo, publicado na Revista Época, de 07/05/2007
ou clicando aqui.


Com essa notícia nonsense, me vieram à cabeça as seguintes questões: se a empreitada for bem sucedida, estaria o Instituto Nacional de Meteorologia fadado ao fracasso? A quem recorrer caso a qualidade dos serviços não esteja a contento? Ao SACC – Serviço de Atendimento ao Cretino Crédulo? Quem seria a “entidade” reguladora de tais serviços – a AMeM (Associação Mediúnico-Meteorológica), com algum babalorixá como presidente? E São Pedro, coitado, seria expulso do cargo em que está há séculos, assim, sem nenhuma verba indenizatória? Ou seria criado um regime celestial de previdência social, o INSS do céu, para os santinhos anciãos e descanonizados?

Bem, torcendo para que essas não sejam nossas próximas preocupações, espero que o Estado se torne definitivamente laico e os limites entre política e religião sejam finalmente estabelecidos, antes que o crescimento do Islamismo no mundo chegue aqui e o país decida aderir à Sharia.